O sucesso do slogan mais conhecido - guerra à droga - só é compreensível à luz de uma mistificação: a droga como "flagelo", súbito e importado. Isto é um dado clássico da História das Drogas. Que os chicbas pré-colombianos, os Orang-Ulu do Bornéu, os incas, os iroqueses e muitas outras culturas pré-coloniais já usassem substâncias psicoactivas, ou que, por exemplo, o ópio já fosse um problema de saúde pública na Inglaterra vitoriana, pareceu nunca interessar à propaganda oficial. É verdade que os esforço repressivo dos control advocates ( como já referi aqui nas várias séries) , cujo zénite registámos no Opium Protocol de 1953 e na Single Convention de Nova Iorque de 1961, não foi capaz de prever, nos EUA, o rock, o Vietname e a vontade de cabriolar de gerações inteiras de rebeldes sem causa ( um eufemismo para meninos aborrecidos). Também não foi capaz de prever que os imensos subúrbios de negros, de latinos, de jovens operários e de desempregados encontrariam nas drogas um conforto justo. Seja como for, o fogo encontrou a palha. Muita coisa mudou desde então, e agora é necessário ser capaz de prever. O WDR de 2008 estabelece uma linha: em 2007, 4,9% da população mundial ( 15-64anos) usou drogas pelo menos uma vez, mas só 0,6% esteve dependente . Dito de outro modo: 208 milhões de utilizadores casuais e 26 milhões de drogados. Sendo que os número são estáveis relativamente aos anos anteriores, isto significa duas coisas:
a) Uma enorme margem de progressão para o narco-tráfico. b) Uma enorme margem de progressão para o trabalho de dissuasão.
O problema é a definição dos perfis de consumo. Sempre foi. No único estudo* feito em Portugal sobre a evolução das políticas de droga (que resultou de uma tese que tive o prazer de co-orientar ) assinala-se o esforço feito pelo então ministro Almeida Santos. Workhops, seminários, projectos, tudo valeu em 1978 porque coisa começava a apertar. Muita consciência, muita preocupação e, pese a boa vontade, muita cegueira: o slogan continuava a funcionar e a iludir qualquer possibilidade de uma estratégia racional. O resultado foi , como se sabe, catastrófico.
* Lúcia Dias, As drogas em Portugal/ O fenómeno e os factos jurídicos-políticos; de 1970 a 2004, Pé de Página, 2007.
FNV, para além das "séries", curtas e algo esfrangalhadas, até porque o leitor militante náo é leitor adorador, onde se pode ler o seu pensamento sobre a questão em registo longo?
Em 2002 publiquei, sob o patrocínio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, "A cidade do ópio- ideias , história e intoxicação". Depois vários artigos, sobretudo na "Interacções". E talvez saia qualquer coisa para o ano, melhor, mais coesa e completa.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.