Estamos
assim, pobres. Somos uma sociedade constituída por uma maioria de pessoas que não possui nada. O carro não é nosso, a casa não é nossa, até as férias são a crédito. Somos donos do cão, das galinhas, das calças que vestimos. Somos inquilinos de uma minoria de proprietários.
Estávamos na crença e na anomia, passemos à depressão.O bacalhau é um bom exemplo da nossa condição psico-geográfica. Fizemos de um recurso longínquo o prato nacional, porque não tínhamos meios para explorar a costa nem indústria para ocupar a população do litoral. Tal como aconteceu com os bascos - nosso companheiros na aventura - , os navios bacalhoeiros eram destinos ambulantes de emigração ( chegou a haver*, entre 1520 e 1525, uma colónia de pescadores de Viana instalada na Terra Nova). Salazar, depois da PIDE ter tentado
amaciar os grevistas, decretou uma requisão civil em 1937: todos para o mar e em força.
A aceitação, deprimida, da pobreza é irmã da anomia e só sobrevive pela crença. Em que acreditamos? Hoje, pelos vistos, nas novas tecnologias e na assinatura de protocolos. Estamos por isso bem preparados para a crise: não nos trará nada de novo.
(cont.)*Mário Moutinho, 1985.