Dizia Pascal Bruckner, o insuspeito autor de "O remorso do homem branco" ( uma recolha ácida das catilinárias auto-culpabilizantes da esquerda ocidental do século XX), que "se há porventura algo que a Europa possa ensinar aos outros, uma tal lição será o saber pôr-se em causa, o constante auto-questionamento que sempre praticou, exercendo-o de uma forma absolutamente sistemática". Com a honrosa excepção de Ratzinger, não temos feito nada disso. Uma das verdades de aço que não se questiona é esta: o Islão é um coio de miseráveis do qual emerge um grupo de fanáticos que recolhe as assinaturas necessárias para nos fazer explodir a todos. O argumento religioso é, note-se, decisivo e circular: "eles" são pobres porque são fanáticos religiosos e são fanáticos religiosos porque são pobres. A Europa parece não ter aprendido com a Tcheka e com a Gestapo que a religião não é o único alfobre do ódio. Nos anos 50, os afegãos pediram insistentemente ajuda aos americanos: quando em 1951 Zahir foi pessoalmente falar com Truman, e depois, em 1953, quando Nixon ( então vice-presidemte) visitou Kabul. A resposta foi negativa. Voltaram-se ( de novo) para os soviéticos que os ajudaram a estabelecer uma rede de ensino razoável ( da qual o Politécnico de Kabul foi a jóia) e diversas infra-estruturas civis. Nos anos 60 os americanos acabaram por ajudar pontualmente: no sudeste, em Lahskargah ( no Helmand), a Morrison-Knudsen construiu barragens, pontes, estradas e modernizou a agricultura. Hoje, nessa zona, só se cultiva ópio. Nos dias de Zahir havia mullahs, khans tribais, Islão por todos os poros. Mas, como se vê, não havia "ódio ao Ocidente" apesar da herança da fronteira Durand que em 1893 dividiu estupidamente o país. A recusa americana e o período de nojo britânico ( depois de os ingleses terem dominado/influenciado o Afeganistão durante mais de um século) acabaram por entregar o país, nos anos 70, a uma dupla influência: a das ideias comunistas e a da ortodoxia religiosa da al-Azhar que pregava a unidade do din wa dawla (da religião e do estado) . O frágil equilíbrio entre uma antiga ordem feudal e a lenta modernização do estado ( com mão de ferro, é certo) ruiu com a revolução comunista de 1979 e com a contra-reacção dos mullahs. O resto é o que se sabe.
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